Abrindo a agenda cultural do ano Portugal-Brasil, duas artistas brasileiras com obras bastante distintas se apresentam simultâneamente no Centro de Arte Moderna de Lisboa. Beatriz Milhazes e Rosângela Rennó – Apesar de trabalhar com a fotografia Rosangela não é uma fotógrafa. Ela coleta imagens de procedências variadas para reapresentá-las sob outra perspectiva. A extensão do seu interesse é grande, vai de fotos familiares a cenas de violência e retratos de prisioneiros e a abordagem é política, social e é também conceitual. Além de reconfigurar um universo de imagens existentes, tratadas como uma espécie de objet trouvé, o trabalho dela aborda a imagem fotografada como forma de normatização, encosta nas questões de autoria e, particularmente nos trabalhos em vídeo, fragmenta ou dilata a narrativa. Frutos estranhos [Strange Fruits], o título de uma série de obras de 2006 criadas por Rosângela Rennó, nascida em Belo Horizonte em 1962, e também tornou-se o título desta exposição que examina mais de duas décadas de sua obra (1991-2012). A escolha foi feita porque o título tem um enigma, e, portanto uma sedutora qualidade, gerando um desejo de ver, observar e interagir com essa estranheza, mas também porque acreditamos que com sucesso sintetiza a atitude de Rennó para a fotografia e, mais amplamente,o mundo técnico das imagens. A artista não fotografa as imagens no seu trabalho. Seu ato artístico é coletar imagens de várias fontes, a partir de álbuns de família, fotografias de jornais e agências de notícias, bem como obituários, fotos de identificação e registros de arquivamento ou até mesmo fotos de turistas. As imagens - com a exceção de seu trabalho em vídeo - são sempre encontradas, apropriadas e selecionadas, mas re-contextualizadas, reformuladas e reeditadas. Elas são, portanto, de alguma forma o fruto de uma árvore viva que o artista só recolhe e organiza exposições e - de uma maneira que às vezes é incomum - incentivando-nos a olhar para estes frutos do olhar e da memória dos outros sob uma nova luz, com uma cosmogonia redefinida. Conceitual e política na abordagem, Rennó mostra-nos vítimas de actos de violência e exclusão social, de prisioneiros de figuras anônimas, mas ela também denuncia a fotografia como um ato de manipulação, oferecendo o potencial para manipulação interminável e reconfiguração infinita, como num Puzzles (mulher e homem) , a partir de 1991. Na série A foto jornal Última [A última foto] (2006), ela nos obriga a refletir sobre as implicações da mudança do analógico para fotografia digital, e também noções contemporâneas de autoria e reprodução. Frutas estranhas não é sobre o exótico, mas se concentra numa cartografia, que atravessa grande parte da vida humana, desde a maneira pela qual nos identificamos ou são identificados / registrados, e como nos relacionamos com nosso ambiente, tocando inevitavelmente sobre a história da própria fotografia como um recurso e meio de comunicação mútua.
ROSANGELA RENÓ
Frutas estranhas
A partir de fevereiro 17-06 maio 2012
CAM - Galeria 1 e B Sala
Curadoria: Isabel Carlos
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